Situada no leste de Londres, próximo da estação de Bethnal Green, em Bow, na Roman Road, (a histórica rua, que remonta da época do Império Romano, e alberga o mercado popular), existe um espaço pitoresco com uma decoração artísticamente original. A arquitetura e o designer é impulsionada fortemente pela reciclagem, renovação e adaptação de quase tudo. Utensílios diversos, ferros, arames, madeiras e móveis de vários tipos, ganham novas formas e funções, acabando por definir um ambiente decorativo diferente. Chama-se Muxima.
Mário dos Santos*
O mentor de tudo isto é Isaac Carlos. Do seu olhar curioso e das mãos sempre irrequietas, renovando, desenhando ou pintando, tudo acaba em arte. É sem dúvida e deve ser considerado um artista completo, realmente multifacetado.
Representado no “NGondo”, o cognome de arte, derivado de Kifangondo – por sinal, a localidade angolana muito cantada, que fica próxima da Nossa Senhora da Muxima. Escolheu propositadamente o dia 11 de Novembro, a data de aniversário da proclamação da independência de Angola – e fez ali mesmo, na sua Muxima uma exposição de pinturas, despindo a alma angolana em cima de telas. Exactamente por isso, literalmente, em inglês, a designação da exposição foi: “Naked Intentions”.
O evento acolheu uma discreta, mas interessante presença de londrinos dessa zona, (bastante caraterizada por gente de cultura e arte). Desde fotógrafos, escritores a atores, Muxima, formou um autêntico mosaico artístico e cosmopolita. Constituída prevalentemente, por ingleses, e europeus de origens diversas, a exposição acolheu também amigos artistas das comunidades africana e negra britânica.
Apesar da massiva divulgação feita em torno do evento, entre a comunidade angolana e até de particulares convites feitos à Representação oficial de Angola no Reino Unido, ficou lamentavelmente assinalada, a escassa presença de pessoas de Angola. No local, estiveram apenas três pessoas, onde se incluía o próprio expositor e a vinda de dois jovens jornalistas de Angola, estagiários da BBC, que fizeram a cobertura do evento.
Ironicamente, diria, que a ausência angolana, no evento, pareceu mostrar que a alma, o talento e a irreverente força do artista, nascido em Luanda, o mesmo que traz permanentemente consigo a Angola como fonte, está mais dirigida para os outros – inglês, europeu ou estrangeiro. Fica, em suma, mais dirigida, para o Mundo! O que decerto não é mau… Uma situação que encerra uma ambiguidade, que como todas as ambiguidades, traz contida, tanto o sorriso, como a lágrima!
De resto, pareceu confirmar-se a estranha tendência de indiferença, na atenção aos talentos, capacidades ou prestações dos sujeitos de Angola, quando residem fora dela. Com efeito, verifica-se mais uma vez com o artista Ngondo, que apesar da teimosia em arrastar constantemente consigo os invariáveis inputs da tradição e cultura angolana nas suas iniciativas, veem-se depois os alentos ou elogios curiosamente preteridos para o lado dos que não são versados por ela.
A inspiração e motivações das expressivas obras expostas na exposição, estavam invariavelmente marcada por fortes linhas e traços de branco e preto – as cores madrinhas de sempre – que ora, contrastando-se, complementando ou amalgamando-se, parecia constituir a vanguarda da preferência dos pincéis e estiletes de Ngondo (Isaac Carlos). Além disto a sublimidade de uma das suas pinturas, serviu de capa para o meu livro, “Kapriquito, o miúdo de Luanda – Histórias de uma vida angolana”, publicado em 2021, pela Editora Chiado.
A exposição contém também, modesta, mas eloquentemente expressivas, criações artesanais em madeira, da autoria dum angolano, popularmente conhecido como, Man Venas (Raúl Pedro), onde se destacavam engraçadas réplicas de carrinhos e o famoso “Pensador”. Para os admiradores, e interessados, Naked Intentions, terá a sua exposição aberta, até ao dia 4 de Dezembro.
Ngondo, tem uma trajetória de exposições internacionais, iniciada há cerca de três décadas, destacando-se a República Checa, país do seu batismo artístico. Seguiu-se a Inglaterra para onde veio no início dos anos 90. Participou em muitos certames artísticos e iniciativas culturais patrocinadas ou organizadas por instituições, como: British Council; Aliance Française; UNESCO; The UK Arts Council (Concelho de Artes do RU); The Bow Arts Trusts (congénere local do Concelho de Artes do RU) e outras Organizações culturais londrinas.
No roteiro de Isaac (Ngondo), como artista revolucionador de espaços e ambientes de cultura e lazer, destaca-se a criação de designers de interior, de cafés e bar, em expressivas zonas de Londres, como Shoreditch, que mereceram menção destacada de revistas guias de locais de lazer e entretenimento como a “TimeOut”.
De resto, como não podia deixar de ser, Muxima foi durante alguns anos, um exemplo de CafeBar, referenciado no topo da classificação na lista de locais londrinos mais apetecidos. Muxima(re)inaugura-se agora, sobrevivido da pandemia, sempre social e culturalmente polivalente, na versão que mais se coaduna com o artista – a galeria de Ndongo!
*Especial para www.jornalokwanza.com