quando uiara foi demitida de uma das últimas lojas da baixa dos sapateiros, precisou se reinventar.
no primeiro dia de desempregada, resolveu fazer uma faxina em casa e na gaveta da cômoda do quarto, encontrou o livro de receitas de sua avó lila. deixou-o na mesa da sala e continuou a arrumação. quando terminou resolveu folheá-lo e teve uma ideia: vender cocadas.
sua avó era quituteira e lembrou-se que quando criança, ficava à beira do fogão de lenha espiando dona lila preparar suas inúmeras receitas.
uiara fez as cocadas tradicionais: branca, de abacaxi, goiaba, mas à preta, acrescentou cacau e canela em pó e leite condensado. testou sua invenção com as amigas e todas aprovaram.
no dia seguinte, acordou cedo, fez seus doces e saiu para vender. estava com seu cabelo 4c trançado por si mesma e caracterizou-se com uma blusa branca, saia colorida, sandália de couro, bolsa de crochê, batom vermelho ressaltando seus lábios carnudos e a guia de seu orixá exu.
como morava no bairro do uruguai, foi andando e oferecendo seus produtos pelo meio do caminho até o bairro da liberdade, onde terminou de vender e voltou com sua bacia de alumínio e o tecido africano que punha entre a cabeça e a bacia.
fez esse percurso por longos 6 anos e ganhou o apelido “rainha da cocada preta,” dos seus clientes moleques.
juntou o que sobrou do lucro com o fgts que havia guardado e abriu uma loja de paredes lilases com a expressão outrora pejorativa, hoje ressignificada.
*ana quezia escreve em letras minúsculas por entender que nenhuma palavra é mais importante que a outra e também porque a atenção do leitor deve concentrar-se no texto e não na formatação.